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Apresentação pública do Guia Ilustrado do Jardim Botânico da UTAD

2015-03-21 Tertúlia “Plantas Autóctones: Conhecer e Produzir!” por cooperativa Rupestris com Prof. Dr. António Crespi e Prof. Dr. José Alves Ribeiro, da UTAD. Apresentação do livro “Guia ... [Ler mais]

Curso de Anilhagem Científica de Aves

2016-04-01 A anilhagem científica é um método de investigação que se baseia na marcação individual das aves, qualquer pessoa que pretenda vir a ser um anilhador deverá passar por um período de ... [Ler mais]

Município de Mêda estabelece parcerias com UTAD e ALTER-IBI

2016-02-23 No passado dia 18 de fevereiro decorreu no auditório do edifício das Geociências, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a apresentação pública da ALTER IBI – Associação ... [Ler mais]
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Notas e Contribuições

BIOBASE é uma referência para o debate e a discussão. O conhecimento do recurso passa pela exposição de ideias, dados, observações e opiniões. Com todos estes contributos será possível encontrar informação científica que contribua à afirmação ou rejeição de hipóteses já existentes. Este exercício será determinante para a divulgação do conhecimento científico acerca do recurso natural e agroflorestal, bem como ao funcionamento dos ecossistemas onde esse recurso está inserido. As notas e contribuições estão criadas neste sentido, e todos estamos convidados a publicar as nossas linhas de pensamento, bem como a discutir e contrapor as que sejam publicadas.

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Não há qualquer dúvida, o ser humano, com toda a sua inteligência indiscutível e inquestionável, será o que pior conte a história. O dia em que a consiga contá-la ver-se-á inevitavelmente empurrado a sua total extinção.

Ao longo destes últimos anos o Jardim Botânico da UTAD foi mostrando um elenco muito variado de plantas, desde as formas aparentemente mais primitivas (as pré-Rosídeas) até as supostamente mais desenvolvidas (as Asterídeas). Desde aquelas com um maior número de peças nas suas flores até às mais simples e com invólucros tubulares das mais variadas formas. Parecia tudo tão perfeitamente programado, tão linear e claro. Parecia… mas ainda bem que a linearidade no universo está muitíssimo longe da nossa compreensão. Ainda bem que a transformação de A para B em processos espaciotemporais não responde aos nossos critérios de alinhamento e progresso. Ainda bem que é assim, pois se assim não fosse esta nota não teria qualquer sentido. Não, não pensem que o Jardim Botânico tem por objetivo ir contando histórias mirabolantes e fantasias sem fundamento. Já avisámos em diversas ocasiões que a evolução não é um processo linear, pelo menos desde a nossa geométrica perspetiva da linearidade. Muitíssimo longe disso, pois se assim fosse a própria evolução não teria qualquer sentido. De facto, a dinâmica evolutiva é o resultado de uma combinação explosiva de contínuas expansões e contrações que decorrem ao mesmo tempo, em escalas temporais infinitesimalmente diferentes mas todas elas associadas. Como é possível tal incoerência? Pois precisamente por esse motivo, porque a vida em si é uma incoerência em que infinitos universos espaciotemporais decorrem paralelamente.

Olhemos para a vida sentados desde uma esplanada. Vejamos passar a todos e pensemos o relativo da própria vida. O que para nós pode resultar um pouco para outros pode ser quase uma eternidade. Aquilo que não tem aparentemente qualquer influência no nosso quotidiano para outros pode transformar-se em determinante e decisivo. O que para uns pode ser um desafio a atingir nas suas vidas, para muitos outros pode não passar de um pormenor sem qualquer importância e aparentemente alheio a eles. Nunca esqueçamos que subir dois andares de um prédio pode parecer um absurdo para um jovem, uma chatice para alguém que já penteia canas, uma tortura para um idoso e um percurso de vida para uma pequena barata. Passemos esta relatividade para o cenário da vida e começaremos a compreender o infinito desordem evolutivo associado aos ecossistemas e ao universo.

Desde o nosso cómodo e tranquilo palco da esplanada continuamos a digerir pensamentos. Como é possível sistematizar a evolução de todos os seres vivos e dos cenários físicos quando nos deparamos com essa grandiosa e incomensurável relatividade dos processos biológicos (isto é, dos seres vivos) e não biológicos (ou daquilo ao que chamamos meio físico)? Para responder a esta questão é preciso compreender a necessidade imperiosa do Homem, como de qualquer ser vivo, pela sistematização. Sistematizar é básico para organizar o universo que nos envolve. Saber o que é bom ou mau para nós, o que nos atrai e o que devemos repudiar, o que necessitamos e o que ignoramos, o que precisamos ver e o que não nos proporciona qualquer utilidade. O necessário, lógico e indiscutível em qualquer ser vivo adquire no ser humano uma lógica absorvente e relevante, com a qual queremos explicar o funcionamento do universo. A razão disto está numa circunstância que acabou por se tornar numa das maiores e mais asfixiantes penalidades para um ser vivo: a capacidade que temos como humanos de pensar, relacionando uma quantidade extrema de imagens, opiniões, critérios e, em definitiva, de informação. Este drama que marca a nossa existência faz de nós diferentes, ao mesmo tempo que é uma grandiosa muralha que não permite que assimilemos a vida. Mas aqui estão as plantas para nos mostrar como é possível derrubar essa barreira, que tanto nos afasta dessa realidade irreal da contradição inexplicável de sentir-nos vivos, enquanto suportamos sobre as nossas consciências uma sentença de morte. Bom, não é bem assim... De repente, desde o repouso da esplanada e olhando com alguma indiferença para o talão do valor pago pela consumição, vem à nossa mente algo que sendo bem real acaba também por comparar-nos com os outros seres vivos: a crise é para todos…!

É verdade. O paradigma do desassossego é uma constante que contrai o entusiasmo da imaginação e a criatividade. Mas precisamente essa opressão que assombra a vida e a contrai é a única garantia da grandiosidade expressiva. Crises como a Pérmico-Triásica, a Cretácica ou, muito mais recentemente, a Pleistocénica foram impulsos necessários para novas fases expansivas, que explicassem e justificassem os subsequentes esforços evolutivos. Este fenómeno pode ser visto nos exemplos mais inesperados. Após grandes crises económicas, por exemplo, as sociedades encontram novos paradigmas de desenvolvimento que transformam intensamente as relações e estruturas sociais existente até esse momento. Um verdadeiro frenesim de ideias, movimentos, projetos e perspetivas percorrem e entranham a sociedade, transformando-a e preparando-a para novas ordens e estamentos. Esses constrangimentos socioeconómicos arrasam civilizações inteiras mas, ao mesmo tempo, exigem capacidades criativas capazes de responder com maior eficiência. Ao longo do Jurássico e do Cretácico, por exemplo, foram desenvolvidas novas e imaginativas estratégias biológicas, e as plantas vasculares são um fiel exemplo deste fenómeno. Curiosamente, estas estratégias acabaram por se revelar também sonoros fracassos, como não podia ser doutra forma. Mas só deste modo foi possível iniciar a construção da atual diversidade florística com a que hoje convivemos.

Sim, até bem iniciado o Paleocénico (65 milhões de anos) teve lugar todo um leque de estratégias gimnospérmicas e angiospérmicas, que em si próprias acabariam por ser preparatórias da transformação mais radical nunca antes desenvolvida pelas plantas vasculares. Mas para realizar tal proeza foi preciso revelar potencialidades que, mais tarde, voltariam a ser exploradas mas numa ordem bem diferente. Qual seria a razão que levaria novamente a uma reorganização entre as plantas vasculares nesse período Paleogénico? Novamente uma incompreensível impotência invadiu o mundo vegetal. Tinham sido criadas estratégias evolutivas até então impensáveis, e que ainda hoje podemos observar entre as pré-Rosídeas, mas os ecossistemas exigiam uma funcionalidade mais eficiente e competitiva. Novamente o fracasso invadiu toda uma sociedade, mas o gérmen da reforma já existia, pois este era inerente à própria vida.

As crises supõem reorganizações, transformações e novas estratégias, que em universos com espaços e tempos infinitos, como o nosso, fazem dos processos evolutivos verdadeiros paradigmas impossíveis de sistematizar. Abandonaremos a nossa esplanada mas nunca seremos capazes de imaginar quantos universos passaram a nossa frente.

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As frases e citações não passam disso, uma combinação de palavras que, dispostas de um certo modo, podem ser muito úteis para encontrarmos explicações às coisas que vão surgindo. No entanto, transformar um registo no fundamento de algo é sempre muito arriscado, pois geralmente tem muitas implicações contraditórias, que mais do que ajudar acabam por atrapalhar aindamais o nosso entendimento. Em qualquer caso, o recurso a referências pode resultarum exercício mental muito interessante e sugestivo. Vejamos um exemplo. Quando tratamos assuntos relacionados com a conservação de espécies há sempre uma frase que acaba impreterivelmente por brotar, pelo menos entre as mentes dos que pelo jardim botânico da UTAD estamos. A frase é de um filósofo espanhol muito conhecido por todos, José Ortega y Gasset. Este político, jornalista, metafísico e amante da música, que passou parte dos seus últimos anos de vida em Lisboa admirando o governo totalitário Salazarista, foi sempre um apaixonado pela contradição e discussão. De todo um vasto e diverso universo de publicações, que de tão ágil e imaginativa fonte foram emanando, uma destacou-se especialmente: “eu sou eu e a minha circunstância”. Esta referência Orteguiana procede dos movimentos individualistas do século XVIII, com a exaltação da pessoa e a sua capacidade de resposta às condições ambientais. Bem é verdade que na sua origem havia sempre uma vontade uniformizadora, que classificava os indivíduos em tipos de comportamentos pré-estabelecidos atendendo ao meio em que se desenvolviam. Mas, em qualquer caso, também é igualmente certo que quando esse movimento atravessou o cérebro do eminente filósofo Ibérico, tal vontade tipológica já não foi tão evidente. Contudo, e sem vontade de entrarmos em assuntos que não nos dizem respeito, qual é a razão para que o “eu-e-as-minhas-circunstâncias” seja uma equação que acabe por encontrar o seu encaixe no intrincado assunto da conservação de espécies?

de nada é preciso confessar algo: conservar espécies é um bom negócio! Bom, de facto em Portugal poderia ser muitíssimo melhor do que realmente é. A causa disso tem a ver com muitas razões, ou se calhar seria melhor dizer com muitas circunstâncias. Em primeiro lugar está o terrível peso dos outros. Quais outros? Pois basicamente os outros países. Geralmente nós não fazemos coisas que os outros não tenham já feito. Com certeza que já haverá quem pense nas descobertas e nas intrépidas façanhas dos navegadores, que tanto enalteceram a história do nosso país. Porém, isso precisamente serve para continuarmos a afirmar que não fazemos seja o que for se antes não foi feito por outros. Quando optámos por conceber algo de diferente corre tão bem que nunca mais queremos repetir, antes não seja para evitar que os outros também queiram fazê-la...

Depois temos o terrível problema do país em que nos tocou viver. Pequeno, cheio de rochas, ribeiras ou areia e, para males piores, afastado de todos e partilhado com outro. Bolas…a coisa é mesmo chata! Estando assim as coisas só temos uma opção possível: a paciência. Com essa infindável paciência, que tão bem caracteriza o povo lusitano, vejamos o que nos resta. Bom, … pouca coisa, mas sem qualquer dúvida essa pouca coisa sempre será a melhor do Mundo! Não sabemos muito bem por quê mas é certamente assim. Provavelmente porque estamos convencidos que aquilo que fazemos não presta para seja o que for, mas é sempre nosso e afinal que culpa temos nós de viver onde nos tocou viver… não é? Lá no Brasil é que é, ou na África ou em qualquer um dos cantos e recantos que viram pé português passear pelas suas terras. Aqui, infelizmente, a coisa não passa disto, um maldito fado que marca o nosso destino…! Bom, com este cenário as nossas circunstâncias é que nunca poderão ser muito famosas, não acham? De modo que não podemos fazer mais nada do que conformar-nos e aceitar a realidade de um castigo que estamos condenados a pagar, e nunca chegaremos a saber muito bem por que razão. Se acham que isto só acontece em Portugal estão muito enganados. Esta doença social é muito generalizada na Europa. A época que nos tocou viver respira uma decadência imperialista que avassalou toda a humanidade conhecida, e que entre os Europeus teve uma incidência bem dolorosa. Poder e dinheiro eram sinónimos de possessões e de um comércio sustentado no servilismo e na mais degradante exploração. Ao longo de vários séculos esses sinais de força fundaram e consolidaram um império cruel e fictício, insensato e injustificado, absurdo e insensato. Mas Europa sempre foi muito mais do que isso, e este extremo ocidental da Eurásia guarda consigo uma riqueza biológica ainda muito mal conhecida. Esta estranha circunstância adquire tintes insultantes e aberrantes quando falamos de conservação de espécies, pelo menos no que diz respeito à flora. Selecionamos aquelas espécies que são raras, ou que achamos suscetíveis de extinção. Monitorizamos a sua existência e até chegamos a propaga-las e reintroduzi-las nos seus habitats. Publicitamos e concentramos toda uma infinidade de respostas e de imaginação vital em meia dúzia de espécies, que são as que consideramos que devem ser protegidas de nós próprios e da nossa perversidade infatigável. Esta quase que esquizofrénica tradição conservacionista (que forma parte das nossas políticas e que obrigamos a que também incluam as políticas dos outros) foi iniciada numa circunstância da história em que os seres humanos começámos a olhar para o que nos identificava com a terra em que vivíamos. Europa rapidamente adotou esta apelativa tradição conservacionista e protetora da natureza, que vinda das antigas colónias europeias acabariam por encontrar por aqui um cenário magnífico para a sua implantação. A perda de poder territorial obrigava a olhar para nós próprios, e a escolher o que considerássemos que devia ser digno de ser conservado e protegido. As circunstâncias mudavam e impomos novas circunstâncias para nós e para o planeta. Uns poucos seres vivos seriam contemplados pela nossa caridade, enquanto os outros acabariam por ser subjugados a essa compaixão inexplicável que desde sempre protagonizou os contínuos esforços humanos por dirigir, decidir e controlar.

É tempo de parar e pensar. Recapitular, analisar, autocriticar. É tempo de ocupar o nosso lugar nos ecossistemas e aprender a ver e desfrutar do que nos envolve. É tempo de procurar as nossas circunstâncias e de deixar de impor circunstâncias injustificadas aos outros seres vivos. É realmente tempo de viver e deixar viver. Reconheçamos que as políticas conservacionistas são, antes do que nada, uma maneira de lavar a cara. No fundo estamos a conservar a espécie humana, pois o pavor por destruir o planeta é o que realmente nos leva a sermos tão bonzinhos. Mas pensemos por um momento como seria tudo se começássemos por admirar aquilo que nos envolve sabendo, para isso, que nos formamos parte deste sistema. Esqueçamos que somos os maus e comecemos por apreciar e disfrutar o universo que nos envolve. Não tratemos os ecossistemas desde um patamar de poder e subserviência, mas sim desde a humildade de confirmarmo-nos como mais um elemento desses ecossistemas. Aprendamos dos outros, mas consideremos que os outros são, geralmente, aqueles que tanto desprezamos ou ignoramos. Acaso não seria este o melhor caminho para a conservação sustentável da vida no planeta?

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Já mentimos algumas vezes, até ocasionalmente somos levados a dizer uma mentira sem querer, mas a convivência com os outros leva-nos a fazer este tipo de atos tão pouco dignos e certamente desagradáveis. Os nossos pais ensinaram-nos a não mentir, pois isso faria de nós pessoas pouco fiáveis e desonrosas. Mentir é mau porque o bom é sempre dizer a verdade! Este é um dos princípios mais básicos e fundamentais, que desde a nossa mais tenra infância já nos é inculcado e que nós também repetimos vezes sem conta (especialmente depois de ter mentido…). Podemos passar horas, dias e anos da nossa vida a convencer-nos de que essa premissa é a certa mas, no fundo, bem sabemos que é também a que mais vezes esquecemos. O ato de mentir como tal não resulta desonesto, indigno e malvado, o que é desonesto, indigno e malvado é o que podemos associar a essa mentira. No Herbário do Jardim Botânico da UTAD muitas vezes temos este dilema entre a mentira e a razão que nos leva a mentir. Sabem quando acontece geralmente este fenómeno? Quando temos que fazer catálogos florísticos de uma região ou área qualquer.

Elaborar um catálogo da flora de uma determinada região consiste, teoricamente, em listar os taxa (classes, subclasses, ordens, famílias, géneros, subgéneros, espécies, …) que estão presentes nessa área. Independentemente do facto desse catálogo não representar nunca a flora total, pois sempre aparecem ou desaparecem taxa, com frequência surgem os típicos e desagradáveis casos “raros”. Estes casos são inevitáveis, e em Portugal garantimos que há muitíssimos (mais dos que muitas vezes gostaríamos de ter). Chegando aqui não há outra alternativa… mentimos!

Muitos são os exemplos aos que podíamos recorrer para explicar este constante desassossego da identificação. A modo de experiência, e para que todos vejam a incerteza que sempre acompanha este processo classificativo, aconselhamos que tentem confirmar uma identificação já confirmada por outros, ou de uma planta que já conheçam bem. Até perante a maior das certezas encontraremos um parecido enorme com essa fotografia que alguém publicou na internet, ou com o que alguma flora descreve em relação a essa planta. Mas lá no fundo, bem no fundo, sempre ficará essa sombra de dúvida que por muito pequena que seja consegue mexer o mais íntimo do nosso espírito. “Estarei certo?” “Será mesmo essa espécie?” Não se preocupem, até os melhores floristas que já houve confessaram, depois de muitos anos de trabalho constante que a certeza é sempre o que nunca podemos ter. Como exemplo vão permitir que lhes comente uma dessas mentiras. Trata-se de um cravo silvestre que surge na Serra das Meadas (por cima da cidade de Lamego).

Morfologicamente é uma mistura de três espécies:Dianthus lusitanus, D.laricifolius subsp.laricifolius e D. pungens subsp. langeanus. Quase nada!! Imaginem os nossos amigos o que tivemos que fazer quando elaborámos o catálogo florístico das Serras das Meadas e Montemuro. Pois simplesmente, mentir e dizer que nestas serras havia três espécies de cravos silvestres:Dianthus lusitanus,D. laricifolius subsp. laricifolius e D. pungens subsp. langeanus.

Se houver alguma coisa que possa abonar para o nosso perdão, só lhes posso adiantar que esta armadilha biológica é muito comum com a flora vascular ao longo de todo o planeta, e que em Portugal constitui para bem ou mal um desporte obrigatório. Estamos perante uma flora que desenvolve taxa novos com muita facilidade, e que embora tivesse sido muito estudada, ainda estamos muitíssimo longe de compreender. Será que todos os outros botânicos antes de nós também mentiram? Não podemos acusar ninguém, tão só podemos afirmar algo em nosso favor: mentindo a gente se entende!

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A crise Cretácica caracteriza-se pelo contraste climático em relação à anterior crise Pérmica. Perante as temperaturas médias mais baixas deste último período, o Cretácico arrasta consigo um aumento considerável da temperatura média planetária, com pequenas oscilações térmicas entre o equador e os polos. Predomínio de estepes, grandes pastagens e uma acentuada diminuição das áreas florestais caracterizam a paisagem de grandes extensões do nosso planeta. Noutras palavras, sacrifício e vida condicionada; ou também, tempo para a resistência e a imaginação. Neste cenário aparece um dos grupos sistemáticos mais fantásticos da nossa flora, o exemplo do reformismo perante a apatia do destino, as lutadoras incansáveis por um futuro mais prometedor e esperançado, as integrantes do partido reformista das Rosídeas.

Rosídea na era qualquer uma. Para integrar este movimento de reforma era preciso mostrar vontade de imaginar e experimentar. As plantas C3 eram as que mostravam uma eficiência mais limitada nessas condições ambientais e, por esse motivo, foi a partir delas que esse espírito de revolta encontrou um excelente aliado. Muito trabalho havia pela frente, desde transformar fisionomias até diversificar flores e frutos. O resultado deste formidável empreendimento reformador é hoje muito bem visível, pois convivemos diariamente com ele. Todas as potencialidades foram criteriosamente exploradas e escudrinhadas.

Cara foi a fatura que tiveram que pagar as que pensaram que estavam perante um grupo de plantas rebeldes, loucas e descontroladas. Ser jovem obriga a manter essa postura radical e intransigente, pois se assim não fosse as sociedades não evoluiriam jamais. Mas para compreendermos o alcance desta missão transformadora suportada pelas Rosídeas vejamos o exemplo dos regimes políticos da era moderna. Uma circunstância que sempre nos questiona-mos tem a ver com a constante mudança que os governos querem impor à orgânica dos ministérios; esses projetos de reforma, que teimosamente vão mudando os programas escolares, os sistemas contributivos ou as políticas agro-florestais. Para cada uma destas alterações é preciso rebatizar organismos, variar programas, retirar secretarias-gerais, direções e subdireções e criar outras diferentes. Este tipo de transformações são alvo das nossas críticas, sempre que um governo toma pose. Mas, embora nos custe muito aceitá-las, estamos perante um processo natural e necessário. O motivo destas mexidas orgânicas está na procura de um sistema melhor, mais eficiente e mais adaptado ao programa que esse novo governo pretende desenvolver. Tal qual as nossas intrépidas Rosídeas, especialistas em mexer tudo. A nível floral, por exemplo, essas alterações foram certamente mais elucidativas, pois nada escapou ao espírito reformistas deste ativo e dinâmico grupo. As inflorescências, as folhas ligadas a essas inflorescências, os cálices, as corolas, os estames, os pistilos, os nectários, as inserções de todos estes órgãos, o seu número e a sua forma, tudo é objeto de constantes mudanças. Em definitiva, uma verdadeira e incansável revolução que nunca mais parecia acabar, criando morfologias tão díspares como as que acompanham esta nota. Sem qualquer dúvida, um oceano de imaginação num caos de ideias e experiências.

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A flor da Cleonia é fascinante, não é? Mas reparem num pormenor: a flor é… um tubo!! Isto é o que os botânicos chamam normalmente “gamopetalia” ou “simpetalia” (os prefixos “gamo” ou “sim” significam “concrescido”). Esta estratégia evolutiva surge da necessidade de criar, neste caso novos invólucros florais numa tentativa constante por limitar a diversidade dos polinizadores que visitam as flores (afinal é preciso desenvolver uma tromba no aparelho bucal para chegar até aos nectários, que tão sabiamente estão geralmente no fim deste tubo -na maior parte das vezes no próprio recetáculo sobre o que esse tubo assenta-). Um tubo é qualquer coisa de fascinante, pois é a chave para muitíssimas novas formas. Podemos criar todo tipo de tubos: cilíndricos, campanulados, afunilados, rodados. Podemos também fazer com que todas as suas pétalas fiquem com os mesmos tamanhos e formas, ou mudar as suas formas e tamanhos criando lábios ou estruturas semelhantes a línguas. Está aberto todo um mundo de possibilidades que tão bem está registado na flora portuguesa, mas que para já limitamos só a alguns exemplos. A partir daqui é só imaginar e experimentar...!

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Quando tratamos problemas taxonómicos surge muitas vezes aquele comentário despectivo “... já estão estes tipos com a barafunda dos nomes!!...” Certamente esta circunstância pode parecer um capricho botânico, contudo não é bem assim. É verdade que a taxonomia é uma técnica que acaba por afiançar o sabor râncio e amargo que a sistemática sempre deixa na ciência. No entanto, não é menos certo que uma vez que entramos pelo caminho tortuoso e cientificamente duvidoso da sistemática somos obrigados a levar com esse pedregulho encima. Poderia parecer discutível, uma vez que o teatro que desde sempre foi montado à volta dos nomes dos seres vivos é um dos principais responsáveis pelo afastamento entre sociedade e ciência, porém vamos ver aqui um exemplo da importância que a nomenclatura tem.

A primeira foto que mostramos corresponde à Asterácea (Asteraceae) Pallenis hierochuntica (Michon) Greuter, também conhecida pela sua sinonímia Asteriscus pygmaeus (DC.) Coss. & Durieu (embora a sua morfologia, especialmente a forma das folhas superiores e os seus formidáveis capítulos, impeçam a esta planta formar parte do género Asteriscus).

O facto de receber o epíteto específico “hierochuntica” é por ser vulgarmente conhecida por Rosa-de-Jéricó, embora a verdadeira Rosa-de-Jericó seja à Brasicácea (Brassicaceae) Anastacia hierochuntica L. (fotografia que acompanha à anterior).

Na imagem correspondente a esta segunda espécie mostramos um indivíduo na sua floração -no canto inferior esquerdo- e outro após a sua frutificação, em que toda a planta seca e lenhifica de modo a encerrar e, deste modo, proteger melhor os seus frutos da insolação constante sobre o substrato pedregoso em que vivem, característico das estepes subdesérticas. Se não tivéssemos o cuidado de diferenciar estas duas espécies pelos seus géneros (Pallenis e Anastacia) entraríamos num conflito, que resulta patente na informação proporcionada na internet. Para comprovar esta confusão provem a introduzir o nome Rosa-de-Jéricó num buscador. Poderão verificar como além destas duas espécies também aparecera uma Selaginella lepidophylla (Hook. & Grev.) Spring, pequeno feto Licopodiófito (da Divisão Lycopodiophyta) que quando seco adquire uma morfologia extremamente similar à Anastacia hierochuntica.

Como a mesma designação vulgar pode englobar três plantas absolutamente diferentes? Este foi o problema que encontraram os naturalistas do século XVIII, e que só foi resolvido criando um código de nomenclatura, que regulasse todo este processo taxonómico.

O conflito é muito semelhante ao que acontece com os bilhetes de identidade e a duplicação de nomes e apelidos. Como resolvemos isto? Pois com um código de identificação regulado e controlado. Deste modo três pessoas poderão ser conhecidas pelos mesmos nomes, mas os seus documentos de identificação serão capazes de distingui-los perfeitamente e sem qualquer possível dúvida. O mais curioso e enigmático de todo este processo é que aquilo ao que chamamos, com tanta pompa e circunstância, nome “científico” de uma planta é, oh voltas da vida, o nome vulgar dessa planta em latim. Curioso, não é?

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Pouco mais de 50 milhões de anos foram necessários para ir formando a atual Península Ibérica, um verdadeiro labirinto de serras, vales e planícies, resultantes todas elas da confluência de diversas microplacas tectónicas e de uma insuportável pressão por parte da gigantesca Gondwana (mais especificamente da pesada Núbia). Esta combinação de fatores ambientais, neste caso geotectónicos, foi comprimindo várias das pequenas placas que foram encontrando refúgio na bacia mediterrânica, quebrando-as e balançando-as de modo a desenvolver uma das geomorfologias mais diversificadas da Europa. Para termos uma ideia da complexidade tectónica do que hoje conhecemos como bacia Mediterrânica teríamos que pensar numa sandes de queijo. Duas rabanadas de pão, de lenha e já com mais de uma semana, esmagam um queijo curado e muito bem curado. O resultado: aquelas sandes que vão esmigalhando o queijo, parte do qual vai caindo sobre o prato, a mesa, o chão e nós próprios.

Mas esta pressão foi também responsável pela intrincada geomorfologia Ibérica, um verdadeiro caldo evolutivo onde meso e microambientes estão em contínua e constante mudança. Um estímulo de proporções tais que ainda por muito tempo será extremamente difícil compreender algo, sequer, do que se passa com a flora que povoa este recanto da Europa (e do noroeste da África, resultante desse esmagamento do queijo).

Aqui deixamos alguns exemplos dessa geomorfologia que entre montanhas e planícies pintam a paisagem que hoje conhecemos. Toda uma variedade de substratos, elevações e perfis que saltam aos nossos olhos numa selvagem e indomável Península Ibérica.

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É um aparente dado adquirido que a presença do ser humano na Terra está diretamente relacionada com o desenvolvimento das plantas com fruto, ou angiospérmicas. O fim do Cretácico impõe a supremacia deste tipo de plantas vasculares, sobre um tapete predominantemente eminentemente herbáceo ou subfruticoso. Para começar a ver a grandiosidade desta gigantesca transformação da paisagem do nosso planeta é necessário recuar mais de cem milhões de anos. Após a crise Triásica, com a abertura definitiva da Pangeia e o acesso de humidade ao interior dos continentes. Densas formações de bosques vão colonizando as massas terrestres dessa época. Mas gradualmente a temperatura média do planeta também vai sofrendo um aumento, que empurra grande parte das espécies arbóreas desse momento (fundamentalmente gimnospérmicas ou plantas com sementes, isto é, ainda sem frutos) para locais mais frescos. Aqui é que tem início um novo desafio para a vida das plantas, que acabará por desenvolver as primeiras plantas com fruto. A partir desse momento pequenos mamíferos são desafiados para procurar o seu alimento nas árvores, locais geralmente mais seguros perante a ameaça dos seus predadores. Trepando às árvores encontram, ao mesmo tempo, o tão cobiçado fruto e as folhas tenras, dieta e hábito de vida que gradualmente contribuíram para aumentar os seus tamanhos.

Já no Cretácico o planeta foi exposto a uma temperatura média global francamente alta, provocando uma intensa fragmentação e redução dos bosques, com a conseguinte formação de enormes extensões de capins e pastagens. Esta abertura da paisagem vai promovendo uma alteração gradual dos comportamentos vegetais. Não só são exploradas estratégias herbáceas e subfruticosas (herbáceas perenes), como também são mais beneficiados metabolismos C4 (mais próprios das monocotiledóneas) e CAM (metabolismo das plantas crassas), perante os C3 (mais comuns entre as não monocotiledóneas). Entre a fauna hominídea, originada na vida arbórea, estas alterações na flora e vegetação foram empurrando estes indivíduos novamente para o chão, abandonando gradualmente a sua vida ramiforme.

O início desta aventura dos hominídeos tem pouco mais de 20 milhões de anos. Decorre já o Miocénico, e a vida prepara-se lenta e pausadamente para um novo desafio ambiental. Os cenários ambientais terrestres são, portanto, um constante desafio para a vida. Os sistemas ecológicos estarão continuamente expostos a mudanças às que devem dar resposta, garantindo assim a vida no planeta. Para compreender isto vejamos um exemplo que muitos de nós já devemos ter vivido ou assistido: o exemplo do empregado de mesa. A Sofia é uma jovem recém-acabada de se formar num curso profissional para técnicos de hotelaria e restauração. Com esse espírito enérgico que a juventude impõe, a Sofia ocupa o primeiro emprego num conhecido café de uma das praças mais concorridas da sua cidade. Os primeiros dias de trabalho são esgotadores, não só tem que aprender todo o conjunto das tarefas que deve desenvolver ao longo de cada jornada de trabalho, como também tem que lidar convenientemente com os clientes para que estes se sintam confortáveis e bem servidos. A Sofia esforça-se por conjugar ambos aspetos e, gradualmente, vai aprendendo a ser mais eficiente ao tempo que competitiva. O Sr. Mário, um antigo empregado que já leva uns bons anos a trabalhar no mesmo café lhe vai ensinando a importância de codificar os pedidos e de atender a várias mesas ao mesmo tempo, sem por isso demorar mais ou servir pior. A Sofia aprende com os erros, e passados uns meses já é uma das trabalhadoras mais queridas e bem-dispostas do local. Os seus conhecimentos de contabilidade e mercado estão também a dar excelentes resultados. A Sofia já aconselha a gerência do café e com ela não só poupam dinheiro, como estão a introduzir alguns produtos que resultam do total agrado dos clientes. Mas os dias vão passando e a Sofia começa a ser pretendida por outros donos de cafetarias vizinhas. Passado pouco mais de um ano, a nossa amiga já está empregada num restaurante próximo e todos estão convencidos que o futuro desta técnica de hotelaria e restauração só acabou de começar.

Uma das circunstâncias mais interessantes da história da Sofia está precisamente centrada nos fracassos e não nos sucessos. Cada dia vão surgindo clientes novos e com eles novos problemas, para dar respostas a esses desafios os mecanismos utilizados normalmente podem não ser o suficientemente eficientes, obrigando à Sofia a procurar alternativas. Contudo, o objetivo é invariável: atender da forma mais rápida e efetiva agradando sempre aos clientes. Deste modo a Sofia também aprenderá a gerir ela própria um negócio, sabendo sempre que tudo o que ela faça deverá estar sujeito a constantes melhorias, pois surgirão condicionantes entre os clientes que a obrigarão a alterar comportamentos ou mecanismos adaptando-os às exigências assim impostas.

Mas o relato da Sofia não acaba por aqui. Uma grande catástrofe financeira cai sobre o país e o sector da restauração sofre enormes perdas, obrigando ao encerramento de muitos negócios e ao despedimento massivo de trabalhadores. A Sofia e vários dos seus colegas encontram-se entre estes últimos, mas isso não faz desesperar a esta jovem empreendedora, antes ao contrário. Ao longo dos seus ainda poucos anos de carreira profissional a Sofia aprendeu a gerir uma empresa. A nossa intrépida protagonista já está familiarizada com este tipo de serviços e decide apostar num negócio económico e inovador. Este novo desafio vai explorar um nicho de mercado mais específico, centrando agora os seus esforços numa empresa de “catering”, com preços muito em conta e estabelecendo uma rede com outras firmas da área da restauração que forneçam o pedido solicitado pelo cliente. A Sofia chega deste modo a um universo absolutamente novo para ela e para os colegas, que com ela se viram também empurrados ao desemprego. Eles sabiam fazer muito bem o seu trabalho, mas agora as novas condicionantes ambientais obrigaram-lhes a desenvolver competências até então praticamente desconhecidas. As suas formações e experiências serão determinantes para atingir o sucesso esperado, porém todos eles sabem que o sucesso acabará por ser sempre transitório: todos os dias será preciso avaliar a sua eficiência sem perder de vista a evolução do mercado. Aceitar o fracasso e aprender com ele proporcionando respostas igualmente rápidas e competitivas, para um ambiente que luta por se recuperar da crise será determinante a partir de agora. Só assim a Sofia e os seus colegas poderão garantir emprego e sustentabilidade.

Esta história já tem centenas de milhões de anos. Os indivíduos tiveram que começar a explorar nichos novos ou pouco explorados até à formação da Pangeia, macro continente que acabou por desatar uma dramática e gigantesca crise ambiental e, consequentemente, biológica. Com a restituição das correntes marinhas e atmosféricas os seres vivos encontraram novamente condições adequadas para viverem e espalharem-se. Mas rapidamente uma nova crise encontrou lugar, agora com temperaturas médias elevadas. Contrariamente ao que poderíamos imaginar, as crises ambientais são imprescindíveis para a vida. Estas são dos mais diversos níveis, desde as que decorrem ao longo dos dias (entre a noite e o dia), ou do ano com as estações, até as que ocupam centenas, milhares ou milhões de anos. Há sempre um sem fim de variações ambientais mais ou menos intensas, que atuam como interrogantes para os seres vivos. O que era bom antes pode ser péssimo pouco depois, de modo que é imprescindível que a vida esteja sempre coberta por um manto de humildade que relativize tudo e todos.

Desde esta perspetiva, a vida decorre numa trajetória de fracasso, onde o sucesso é entendido como uma contribuição comunitária ao sistema e nunca como uma glória individual. Num contexto como este são muitas as questões que podemos plantear e dentre todas elas uma pode marcar o comportamento exultante da nossa espécie: a conservação. Acaso não será este um verdadeiro indicador ecológico da nossa soberbia como espécie ganhadora que imaginamos ser? Qual será o verdadeiro fim procurado através deste artifício humano?

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A insistência pela exaltação muitas vezes não nos deixa ver claramente o absurdo que encerra a mesquinhez. Desde os ancestrais hominídeos que começaram a desenvolver a sensação do eu, da minha personalidade diferente das outras, passando pelo enaltecimento do homem no revolucionário século XVIII ou no naturalismo pós-moderno, a espécie humana ocupou uma posição diferencial e distanciada, própria e genuína. A ciência foi cimentando a figura da humanidade como um elemento diferencial no universo. O Homem e o antrópico passavam a ter uma consideração distinta na funcionalidade dos ecossistemas. Todos partilhamos esta escolha, aprendemos dela e acabamos por assumi-la como algo natural e lógico. Como seria possível então que seres tão indefesos e expostos como os hominídeos tivessem tido o sucesso evolutivo que aparentemente tiveram, passando a se estabelecer como a espécie mais dominante?

O próprio Darwin e os seus contemporâneos colocavam a si próprios essa pergunta, que só podia ter uma resposta: o desenvolvimento do intelecto. Pensar, discernir, questionar, discutir ou imaginar não são acaso armas mais do que suficientes para fazer de um pobre idiota uma espécie dominante, ocupando o lugar cimeiro entre os seres vivos conhecidos? Descrever, classificar, criar e transformar foram desde sempre os paradigmas do ser humano perante qualquer outro ser vivo. Nunca na história natural conhecida houve uma espécie que atingisse esse grau de complexidade funcional e intelectual. Era preciso situar a espécie humana numa posição distinta no ecossistema. Era preciso e necessário fazer do Homem um elemento e fator ecológico diferentes, como são o clima ou a geologia, os substratos ou qualquer outra variável ambiental. Para isso foram necessários mais de seis mil anos de história, em que o Homo sapiens foi desenhando um complexo processo de classificação e sistematização do universo. Todo um edifício que ajudasse à descrição de tudo aquilo que nos envolve e faz do nosso mundo um longo conjunto de ecossistemas em que fatores ambientais, biológicos e, obviamente, antrópicos interagem para proporcionar funcionalidade a esses ecossistemas. Usando estes instrumentos que a taxonomia e a sistemática proporcionavam foi possível criar a ciência ecológica, e com ela teorias e modelos que ajudassem a explicar a interação entre a matriz ambiental, a biológica e, mais uma vez, a antrópica. O ser humano podia ser vítima de pragas, catástrofes naturais ou guerras sanguinárias, mas devia manter a sua posição dominante, diferencial e sempre distanciada em relação aos ecossistemas. Curiosamente, e como não podia ser doutra forma, esta visão “homocentrista” do universo acabou por se transformar numa arma contra a própria espécie humana. Afinal a nossa força dominadora transformava-se frequentemente numa força destrutiva, que arrasava outras espécies, que destruía comunidades e alterava intensamente não só a matriz biológica como também a ambiental. A nossa exaltação acabou por ser a nossa própria penitência. Surge assim a doutrina conservacionista, mas também a interrogante que sempre o acompanha: o conservacionismo de quem ou de quê?

Certamente, e como muito bem dizia Fernando Pessoa, pensar é não saber existir. Aquilo que nos transformou no nosso imaginário em dominante fez de nós uma tortura permanente, que de modo surdo e incisivo vai acabando com a nossa identidade. É preciso conservar, mas conservar um mundo feito a nossa medida, um mundo que se subjuga a nós próprios e que contemplamos e estudamos desde o nosso pódio privilegiado. É preciso conservar, pois caso contrário pereceremos na nossa fantasia de dominação e poder. Finalmente o ditador revela-se e o nosso poder é tal que temos a capacidade de perdoar, de proteger, de permitir que aqueles que nos acompanham possam continuar a ser os nossos servos humildes e calados. O planeta pertence-nos e temos que cuidar dele, pois quem mais senão poderia fazer esta difícil e complicada tarefa?

Ilusão estúpida esta que nos invade. Na decadência da nossa existência acabamos por transformar-nos numa imagem cómica e pinturesca da espécie amedrentada e temerosa que sempre fomos. O medo fez de nós pequenos ditadores, fascistas que na sua desorientação sacrificaram o tesouro que o pensamento sempre lhes ofereceu. O tesouro da contemplação, do conhecimento, da sabedoria que o universo encerra.

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Se calhar alguma vez ouviram falar das “ilhas biogeográficas”. Este fenómeno resulta de um processo de isolamento entre indivíduos reprodutivamente compatíveis. Por razões, geralmente de índole ambiental, um conjunto de indivíduos de uma mesma espécie biológica acabam por ficar isolados e afastados dos seus congéneres, circunstância esta que lhes impossibilita qualquer cruzamento de informação genética entre eles. O resultado deste fenómeno é que esses agrupamentos isolados de indivíduos começam a criar comportamentos morfogenéticos cada vez mais próximos. Afinal o intercâmbio de informação genética acaba por se limitar ao conjunto desses indivíduos e dos seus descendentes, tal como se estivessem a viver numa verdadeira ilha. Pode parecer absurdo e pouco compreensível, mas este fenómeno é o processo biológico mais habitual e frequente nos ecossistemas. Por quê? Pois provavelmente porque seja a forma mais cómoda de garantir a descendência, mas a um custo muito elevado.

Para tentarmos compreender melhor tão complexo e ainda pouco estudado processo não temos que ir muito longe. O próprio ser humano utilizou este sistema para impor a sua espécie sobre a face da Terra. Num princípio, quando ainda a população humana era reduzida e a sua capacidade de expansão era muito limitada, as nossas populações ancestrais exploravam o cruzamento com outras pessoas da mesma tribo ou aldeia, quase sempre com algum grau de parentesco. O resultado não foi muito famoso, mas em qualquer caso a manutenção dessas populações foi garantida (embora sempre fosse necessário algum contributo genético forâneo). Foi assim como, pouco a pouco, o ser humano aumentou a sua presença e, deste modo, criou populações cada vez maiores. Com o passo dos séculos, esse efeito de ilha biogeográfica foi sendo cada vez menor e mais raro. De facto, hoje em dia resulta muito difícil encontrar descendentes de primos diretos (ou de mães irmãs com filhos do mesmo pai, por exemplo), mas para garantir a sobrevivência da nossa espécie biológica foi necessário recorrer a esse processo reprodutivo. Felizmente, ao longo dos últimos séculos os nossos antepassados já tiveram a oportunidade de afiançar relacionamentos entre pessoas de distintas populações, arrastando esse efeito ilha para um último plano (já muito castigado socialmente…).

Entre as plantas, no entanto, esse fenómeno não resulta desprezável, antes ao contrário é o mais cómodo e habitual. Mas como é possível que tal processo possa ser útil para indivíduos que são a base das cadeias tróficas dos ecossistemas? Pois precisamente por essa razão, pela enorme responsabilidade que possuem como pilares do funcionamento dos sistemas ecológicos. É uma necessidade garantir que o ecossistema vai ter substrato vegetal, pois caso contrário o ecossistema entraria numa quebra abrupta de funcionalidade e a própria vida no planeta ver-se-ia seriamente afetada. Por tal motivo os indivíduos chegam a potenciar mecanismos de isolamento reprodutivo, estimulando o cruzamento com congéneres próximos e acabando por se isolar reprodutivamente de outros da mesma espécie biológica mas mais distanciados. Neste universo de constantes contradições, a crueldade inerente à própria vida não permite esforços inócuos, embora um dos fundamentos da evolução seja a capacidade criativa que cada indivíduo possui e explora.

Este processo reprodutivo da ilha revela-se, ao mesmo tempo, como uma garantia para a migração das plantas, embora este fenómeno não tenha nada a ver com a sua movimentação (pelo menos tal como o aplicamos para os animais). Para compreender isto é necessário ter presente que essas ilhas populacionais nunca possuem tamanhos constantes, antes ao contrário. Através de um seguimento de ano para ano podemos confirmar que as populações vegetais são muito inconstantes, em geral (depende sempre de todo um conjunto extremamente complexo de variáveis ambientais, como não poderia ser doutra forma). A partir dessa instabilidade no tamanho das populações vegetais é que essas ilhas podem diminuir, até a sua extinção, ou bem crescer e ir criando novas ilhas reprodutivas. Reparemos aqui num pormenor extremamente importante: quando vemos aqueles tapetes de plantas de uma mesma espécie não nos deixemos enganar, pois estamos perante diversas ilhas biogeográficas em pleno funcionamento (concordemos em que isso de ter que enviar pólen muito longe é sempre muito relativo…). Este sistema de multiplicação das ilhas reprodutivas é o que garante a movimentação das espécies e, deste modo, a sua potencial migração. Porém há uma outra circunstância que também é preciso considerar nesta dinâmica migratória das plantas. A movimentação de indivíduos ao longo de uma determinada área não resulta geralmente muito fácil, especialmente se essa área encerra variações ambientais mais ou menos notórias. Esta circunstância acaba por fazer com que surjam diferentes “velocidades” migratórias. Bem é verdade que o ambiente é uma das matrizes físicas mais cambiantes que alguma vez poderíamos ter imaginado, neste sentido essa capacidade de migrar está sempre condicionada por essas variações ambientais: o que parecia impossível de ultrapassar, através de mudanças ambientais acaba por ser muito mais acessível. Contudo também devemos considerar que cada espécie está sempre sujeita àquilo ao que chamamos “perfil ambiental” ou, dito doutra forma, condições ambientais nas quais consegue viver. Os perfis muito abrangentes são muito menos comuns do que poderíamos imaginar, especialmente se pensamos que seres vivos tão estáticos como as plantas devem aguantar muitas vezes alterações térmicas e pluviométricas muito grandes. Bem é verdade que muitas plantas possuem essa capacidade para quase “apagar” a sua vitalidade de modo a poder suportar descidas térmicas continuadas, ou até criar mecanismos que facilitem a escorrência das águas e até a quase total impermeabilização. Em qualquer caso, estas programações fisiológicas ou respostas anatómicas são o resultado de um intrincado processo evolutivo, e respondem unicamente dentro do tal perfil ecológico de cada espécie (quantas dessas plantas tão fortes já morreram nos nossos jardins ou vasos e, no entanto, apareciam silvestres quase que ao lado…).

Para compreendermos esta estranha combinação entre a migração e o perfil ecológico das plantas comecemos por um dos grupos mais fascinantes, o daquelas plantas que vivem mais perto das estrelas! Estamos a falar de plantas alpinas, que alguns meses por ano vivem em solos totalmente cobertos pela neve pelo que são obrigadas a concentrar os seus esforços reprodutivos num curto espaço de tempo. Sufocantes exposições solares e intervalos térmicos diários não demasiado agradáveis não lhes permite prolongar por muito tempo essa fase das suas vidas. Ao mesmo tempo, a paisagem alpina não é precisamente uniforme. Abruptos precipícios ou cortantes encostas acabam por provocar frequentes descontinuidades geomorfológicas. De facto, os picos superiores aos 1 500 m são realmente isso… picos, e entre pico e pico vão estendendo-se vales com profundidades e larguras muito variáveis. Nestas circunstâncias a formação de ilhas biogeográficas resulta uma garantia para a sobrevivência, pois as colonizações nestes meios são sempre muito difíceis. No oeste da Península temos muitos exemplos destas singulares vidas. Embora não seja um país eminentemente alpino, não faltam plantas com comportamento tipicamente alpino. Para também levar uma recordação que nos permita ver aquelas que moram mais perto das estrelas.

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Não, não é um erro ortográfico. O Ocidente da bacia mediterrânica esconde um pequeno segredo com o qual podemos compreender o funcionamento desta parte da jovem, enérgica e extremamente reflexiva bacia mediterrânica.

Todo o Mediterrâneo e a Eurásia ocidental, onde ele está biogeograficamente integrado, funciona como uma gigantesca vivenda. Ao entrar vamos descobrindo numerosas divisórias nesta esplêndida moradia, umas grandes, outras mais pequenas, algumas até alojando compartimentos no seu interior. No entanto, já no fim desta residência encontramos um conjunto de divisórias de diversas dimensões, iluminadas pela luminosidade projetada por uma deslumbrante paisagem oceânica. Depois de dar uma rápida vista de olhos por esta ala mais afastada começamos a reparar que os que por lá vivem o fazem quase que de costas viradas para o resto da casa. Atraídos pela beleza do mar e pela sua suave e pausada brisa, os residentes destas salas podem desfrutar de uma das áreas mais diferentes e peculiares de todo o edifício. De facto entre todos os quartos vão distribuindo-se todas as comodidades e serviços para poder ter uma vida autónoma, quase sem ter que dar cavaco aos restantes moradores que ocupam a outra ala da casa. Esse fantástico conjunto de espaços representa o Oeste da Europa. Perfeitamente isolado da bacia Mediterrânica pelo arco Alpino, o sistema Ibérico e, finalmente, no oriente da Península pela cordilheira Bética. Esta ala da Eurásia carateriza-se por uma combinação de regimes anticiclónicos e ciclónicos procedentes dos mares Atlânticos, que combinados com a influência subtropical, pelo sul, e Siberiano-Gronelándica, à norte, conforma um variado e complexo conjunto de perfis termopluviométricos ao longo de toda a sua extensão. O isolamento geográfico com a bacia Mediterrânica e com a Eurásia oriental acaba também por proporcionar uma dinâmica vital própria. Segundo vamos de norte para sul desta formidável bioregião começamos a encontrar, a partir da Península Ibérica, uma variabilidade ambiental certamente muito mais acentuada. É como se aqui se concentrasse um maior conjunto de quartos, com dimensões mais reduzidas.

Para ter uma ideia da complexidade desta região biogeográfica na sua vertente Ibérica vamos centrar a nossa atenção, nesta breve nota, para um desses quartos; a comarca do Bierzo. O vale que acolhe esta comarca, e que está banhado por um dos rios mais enigmáticos e surpreendentes da não menos ambígua bacia hidrográfica do rio Minho, é um cartão-de-visita que já anuncia uma sobrada expectação na hora de descrever o ambiente que define esta singular divisória. Estamos a falar do rio Sil, um curso fluvial sinuoso num vale esculpido com paciência, ao mesmo tempo que com a brusca severidade que descreve tão acidentado perfil. O Sil nasce na cordilheira que separa as província de Leão e das Astúrias. Através de uma tortuosa e ondulante trajetória, caudalosa linha de água banha uma das comarcas historicamente mais polémicas do reinado Galaico-Leonês. O Bierzo foi desde sempre terra de ninguém, ou melhor dito, dos que lá viviam. Reivindicado pelos galegos e pelos leoneses, foram estes últimos que acabaram por ficar com a territorialidade da comarca. A principal razão de tanta polémica histórico-social e administrativa, independentemente das questões geográficas (especialmente relacionadas com a maior proximidade à capital leonina), tem a ver com um fenómeno orográfico particularmente curioso. O Bierzo está isolado de tudo e de todos por uma imponente barreira montanhosa que envolve todo o curso alto e grande parte do médio, fazendo com que esta parte do Sil esteja quase totalmente separada do resto. A justificação desta singular geomorfologia do vale tem a ver com o facto de se tratar não de uma bacia para acolher um rio, mas sim de uma bacia para acolher um lago de enormes proporções, antes não estivéssemos perante o maior lago irmão da também bacia lacunar que albergou o Douro enquanto lago Miocénico. Devido a este fenómeno orográfico este espaço, embora claramente limitado, reserva no seu interior uma diversidade ambiental inesperada. Desde terras de montanha com altitudes médias superiores aos 1500 metros, na comarca de Villablino, até fundos de vale com extensos bancais sedimentários que proporcionam, por exemplo, a planície de Ponferrada (a pouco mais de 500 metros de altitude). Este carácter de isolamento é especialmente visível no único ponto de contacto desta comarca com a Galiza. Circundado pelas majestosas cordilheiras Cantábrica, Ancariano-Courulense e Aquliano-Teliana, o conteúdo deste lago encontrou uma via de escoamento pela fratura geológica que acabou por criar o esplêndido e serpenteante “canhão do Sil”. Esta formação geomorfológica resulta de um processo erosivo longo mas muito intenso, que nos últimos milhões de anos foi lavrando uma angusta e sinuosa passagem, que desde La Cancela-Covas (na fronteira entre as províncias de Leão e Ourense) encontra finalmente a sua foz na ourensã localidade de Os Peares. O resultado desta combinação de fenómenos geomorfológicos cria uma bacia hidrográfica extremamente peculiar, pois grande parte do curso alto e médio decorre por um enorme e irregular terraço sedimentar, que abruptamente desagua num longo e tortuoso canal até ao seu encontro com o rio Minho. Com uma forma tão pinturesca como esta não resulta estranho que muitos dos mistérios florísticos de tão singular bacia estejam encerrados na própria comarca berziana. Se olhamos com algum pormenor para a flora nesta região e a comparamos com a que tapeta o canal que forma todo o canhão do Sil até a sua foz, podemos confirmar este genuíno fenómeno natural. Nesse espaço berziano, separado do difícil corredor galego, encontramos um conjunto de endemismos ou espécies exclusivas ou quase daquele território: Agrostis exasperata, Alchemila atropurpurea, Armeria rothmaleri, Campanula cantabrica, Campanula adsurgens, Dianthus larificolius subsp. merinoi, Festuca burnatii, Genista sanabrensis, Petrocoptis grandiflora ou Silene scabriflora subsp. megacalycina são alguns dos mais conhecidos.

Novamente estamos perante náufragos isolados em ilhas biogeográficas. Indivíduos que num oceano de barreiras geográficas lutam pela sobrevivência, criando estratégias de vida novas. Agora as condições ambientais foram afastando de modo acentuado estes indivíduos dos seus parentes mais próximos. Tal circunstância acabou por criar um autêntico berço (“bierzo”, neste caso) de vida. Contudo, o mais intrigante desta história não só esta aqui. A bacia do Sil e os seus encantados segredos têm um irmão quase da mesma idade, mas muito maior. O irmão está muito mais perto de nós do que imaginamos. Ele é também um hino à virtude do egoísmo da vida. Ele é o nosso imponente Douro! .


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Se houvesse um dia destinado a exaltar as aparências esse deveria ser o domingo. A sociedade de consumo foi transformando este último dia da semana, feriado institucionalizado na civilização cristã, num passeio permanente do que parece mas não é. Os passeios pelas avenidas, centros comerciais, ou qualquer espaço público transforma-se num fervilhar de aparências ansiosas por se mostrarem. Curiosa mania esta de querermos aparentar, pois sendo como é uma aptidão natural que todos os mamíferos (e não só) possuímos, os seres humanos fomos manipulando-a de modo a querermos fazer crer o que queremos que seja mas que sabemos que não é. Não nos martirizemos por isto, pois é perfeitamente natural e precisamos das aparências para podermos viver (pelo menos antes não seja pela incontrolável vontade de querermos viver a fantasia dos nossos desejos de vida).

A arte do parecer não só consegue (ou, pelo menos, tenta…) aparentar o que realmente não somos, também transforma aquilo que vemos e a nossa visão do universo em que vivemos. Com alguma melancolia esforçámo-nos sempre para explicar como é a paisagem da nossa terra. Vamos mais além e até analisamos tecnicamente essa mesma paisagem, encontrando uma correlação entre o modo como está ordenada e a atividade social da humanidade que nela vive. Para isto tudo juntamos o cenário físico com o vivo, acabando por acrescentar a este o elemento antrópico. É assim como reconhecemos espaços, terras e continentes pelos que vamos passando ao longo das nossas vidas. Não reparamos, porém, que essas paisagens todas formam parte de um universo em contínua mudança, sobre um vetor espácio-temporal infinitesimal, em que cada ser vivo possui o seu espaço e o seu tempo, ao longo do qual vai criando gerações que desenvolvem espaços e tempos próprios. Um fenómeno este da vida do qual formamos parte mas que somos incapazes de compreender. Integrar um processo evolutivo tão complexo e relativo como este faz com que tudo o que vivemos responda a um cenário físico e biológico em constante mudança. Aquilo que vemos e tocamos forma sempre parte de uma inúmera quantidade de processos em contínua transformação, que no nosso esforço sintetizador por compreender o significado da vida sistematizamos e tipificamos, sabendo sempre que essa sistematização e tipificação serão inevitavelmente artificiais e volúveis.

Para compreender a profundidade daquilo que tentamos explicar entremos num bosque. Um sobreiral, carvalhal ou até um azinhal ou um amial, por exemplo. Já dentro desse bosque olhemos para as plantas que nele vivem. Cada uma delas é um diminuto degrau numa escada evolutiva de longitude e repercussões biológicas inatingíveis para nós. Um universo de espaços e tempos reúne-se agora nesse bosque, que estupidamente acabamos por designá-lo pela planta que mais chama a nossa atenção, mas que muito provavelmente será das que esteja em menor número nessa aparente formação vegetal. Forma esse bosque parte da minha paisagem mas, afinal, o quê é a minha paisagem? Um número incontável de histórias com tempos e espaços diferentes e inconstantes, num contínuo processo de transformação ao longo de ambientes também em incessante mudança. Desde fetos com centenas de milhões de anos, até exóticas com dezenas de anos como integrantes desses bosques. Desdeestratégias de reprodução esporoadas até florais, com flores de invólucros radiados e livres atébilaterais e concrescidos. Muitas, muitas histórias encontram nesse bosque um cenário de passagem, uma aventura de gerações com velocidades de transformação moleculares e morfológicas tão diferentes. O que hoje é temperado e com alguma humidade ambiental, já foi muito mais frio, ou quente, muito mais húmido, ou seco, já esteve submerso, ou formou parte de uma cadeia montanhosa. Nesses cenários de incontável mudança os indivíduos respondem e só hoje e agora serão esse aparente bosque que agora visitamos. Mas só porque neste momento das nossas vidas surge como um bosque será realmente isso? Acaso não é isto um exemplo de aparência? Um bosque hoje já foi muito mais do que isso, desde uma estepe, a uma enorme pastagem, um denso capim subhúmido ou formou parte de uma paisagem de fundo marinho. Qual é a realidade? O que hoje parece, o que já foi ontem, ou o que será amanhã?

Aparentar é sempre isso, parecer o que não é, pois muitas das vezes nem sabemos bem aquilo que somos.

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Se numa coisa o ser humano é um verdadeiro génio, independentemente de noutras habilidades algumas delas vergonhosas, é na elaboração de riscos e raias. Passamos a nossa humilde mas muito intensa existência a marcar fronteiras, limitar extensões e definir áreas. Juntamente com mapas administrativos fazemos outros muitos exercícios cartográficos (cartas litográficas, de habitats, vegetação, de distribuição potencial de espécies, de cidades e estradas, de terrenos, etc. etc. etc.). Tal herança neolítica forma parte, sem qualquer dúvida, do espírito organizador e classificador que tanto amamos e acarinhamos, juntamente com a virtude maléfica de sermos aparentemente seres vivos de uma inteligência refinada e ricamente cultivada. Noutras palavras, mais uma dessas armadilhas infernais que tanto ajudam, como entorpecem, o nosso raciocínio.

Entendamo-nos, fazer mapas é muitíssimo útil e prático, mas não interpretá-los na sua justa medida pode ser pé para construir o quadro mais enaltecedor da incomensurável estupidez humana. Qualquer indivíduo vivo que tenha a extrema fortuna de possuir visão poderá, com maior ou menor precisão, distinguir formas e contornos e, deste modo, delimitar áreas e superfícies. Contudo, tal sorte não devemos transformá-la num paradigma, que nos leve a pensar que essas formas e contornos sejam objetos inalteráveis e perfeitamente definidos. Antes ao contrário… e de que forma!

Vamos pôr um exemplo que no Jardim Botânico sempre foi denunciado, ao tempo que detestado, repudiado e alvo das maiores e mais sonoras risotas. Estamos a falar dos tristemente famosos “pontos quentes” de biodiversidade (mais conhecidos pela sua designação inglesa, hot spots).

Desde sempre, entre estes pontos quentes foi incluída a bacia Mediterrânica, possivelmente pelo facto de possuir mais de 13.000 taxa de plantas vasculares (além dos outros muito bem fornecidos grupos biológicos) nesta área do planeta tão difícil de limitar. No entanto, a comunidade científica nunca pareceu ter o mais mínimo temor na hora não só de delinear esta bacia, como também de confirmá-la como ponto quente de biodiversidade. Desde um ponto de vista biogeográfico, a bacia Mediterrânica foi classicamente caracterizada pelos seus muito discutíveis e relativos “verões quentes e secos e invernos húmidos e frescos”, juntamente com uma “variada e contrastada topografia”, com a que a União Europeia descrevia biogeograficamente esta região em 2010 (http://ec.europa.eu/environment/nature/info/pubs/docs/biogeos/Mediterranean/KH7809610ESC_002.pdf). Contudo outras variadas perspetivas foram aplicadas para desenhar o mapa desta bacia com outros contornos. O que para os historiadores é encarado como todas aquelas civilizações banhadas pelo mítico mare nostrum, para os botânicos já não é bem assim, deixando de fora dessa região biogeográfica há-de ficar grande parte do Egito, da Líbia, Tunísia, Israel e a Palestina. Já no caso dos zoólogos a perspetiva seria mais semelhante à dos historiadores, embora a esta visão é acrescentada a complexa geomorfologia do fundo marinho, juntamente com outras circunstâncias relacionadas com os mais variados aspetos biológicos ligados com a forma de vida dos indivíduos, a sua migração ou os seus hábitos alimentares. Em definitiva, já só para fazer a raia que descreva a tão badalada região Mediterrânica não podemos começar pior, pois não fazemos a mais mínima ideia do objeto do qual estamos falamos.

Independentemente desta aparente confusão persistente e, por outro lado, absolutamente lógica e normal, o espírito racional e reducionista que nos carateriza obrigava a fazer essa raia que delimitasse os contornos do que viria a ser o ponto quente biológico que englobasse esta região euro-asiático-africana. E a asneira consensual foi feita, como não poderia ser doutra forma. Em ciência tudo é e será discutível, pois caso contrário não seria ciência mas sim dogmatismo. Curiosamente o que está em causa nesta aventura político-administrativa dos pontos quentes de biodiversidade (pois de aventura científica tem mesmo muito pouco) não é só o desenho do mapa. Aliás, este exercício não passa de ser um pormenor técnico, que aqui utilizamos mais como um indicador da presunção humana. O que, como acontece sempre, acaba por nos surpreender mais é a justificação que acompanha estes processos. E é aqui onde ficamos chocados perante o volume de parvoíces que são esgrimidas para defender a existência desses hot spots (já agora, no Jardim Botânico sempre nos perguntámos se não seria mais apropriado mudar essa designação genérica, pois mais parece que estamos a falar do título de uma publicação pornográfica ou de um local destinado a divertimentos carnais…). Olhando para a bibliografia científica que trata destes assuntos podemos ver como são três os parâmetros mais recorrentes para avaliar e justificar pontos quentes: percentagem de vegetação natural intacta por ponto quente, bem como a área que ocupa esse coberto vegetal inalterado; a densidade de espécies endémicas, medidas de acordo com o número desses taxa por quadrículas de 10 x 10 Km; e um índice que descreve o desenvolvimento das populações humanas que habitam nessas áreas, o Índice de desenvolvimento humano (Human Development Index ou HDI), em que é conjugada desde a esperança de vida até o tempo de escolaridade e a renda per capita para cada ponto quente. Com esta informação não temos realmente qualquer coisa substancial, de facto estes parâmetros são mais descritores do que justificadores, pois embora possa parecer ridículo e até demencial os pontos quentes de diversidade biológica não têm mais justificação científica do que a boa-fé da comunidade científica, que geralmente não quer dizer nada. Chegados a este momento de confusão e desconfiança é tempo de contar uma anedota. A densidade de endemismos publicada para a bacia Mediterrânica, por cada quadrícula de 10 x 10 Km é de 13 espécies. Há neste valor duas dúvidas que assaltam logo as nossas mentes. De um lado grande parte deste ponto quente de biodiversidade está ocupado por água (o mar Mediterrâneo, no caso que nos ocupa), o que nos levaria a pensar que os investigadores envolvidos nesse cálculo de espécies endémicas deveriam ter quantificado os taxa que surgiam por quadrícula, ao longo do extenso e selvagem mundo marinho Mediterrânico. Por outro lado, os que trabalhamos com plantas temos uma tendência natural a dobrar-nos a gargalhadas quando vemos um valor tão rematadamente estúpido como este. Só 13 taxa endémicos por cada quadrícula de 10 x 10 Km!? Será que os que as contaram padeciam de uma miopia astigmatoide acompanhada de umas monumentais cataratas oculares? Para ver a brutalidade implícita neste cálculo tão falacioso e escuro nada melhor do que um exemplo, pois não queremos que nos acusem de críticos gratuitos. Vamos sair do ponto quente da bacia Mediterrânica e ficarmos muito perto dele, mais precisamente utilizaremos como exemplo o norte de Portugal ocupado pelas províncias de Trás-os-Montes, Minho e Douro Litoral. Só nestas três províncias o Jardim Botânico contabilizou 2000 taxa específicos e infra específicos de plantas vasculares. A extensão correspondente a esta região compreende aproximadamente 15.000 Km2, isto é qualquer coisa como 150 quadrículas de 10 x 10 Km. Desses 2000 taxa uns 20% são rigorosos endemismos, isto é 400 taxa. Imaginemos agora que esse germoplasma de distribuição restringida estivesse concentrado em 25% das quadrículas (facto esse que é totalmente falso, pois está muito bem distribuído ao longo de todos esses quadradinhos imaginários de 10 x 10 Km), sendo que em cada retícula estivesse essa média teoricamente apontada de 13 taxa ou menos (não esqueçamos que mais de metade desta área não foi incluída no ponto quente). Porém, no caminho entre o Jardim Botânico e o centro da cidade de Vila Real, zona urbana com a vegetação natural total e constantemente alterada, chegamos a encontrar no mínimo 13 endemismos: Adenocarpus lainzii, Cistus psilosepalus, Cytisus multiflorus, Echium lusitanicum, Festuca duriotagana, Halimium alyssoides, Herniaria lusitanica, Hyacinthoides hispanica, Lonicera hispanica, Salix salfiifolia, Silene marizii, Silene scabriflora, Galium australe. Já agora, convém lembrar que estamos a falar de uma quadrícula aproximada a 3 x 3 Km, pois se fossemos à de 10 x 10 Km os valores aumentariam até perto das 20 espécies, aproximadamente. O mais interessante é, para mais ignominia, que estamos dentro de uma área urbana onde não é costume encontrar plantas com comportamentos biogeográficos tão restritos. Obviamente esse valor de 13 não só faz referência a plantas vasculares, pois teríamos que acrescentar aqui os outros grupos de indivíduos (plantas não vasculares, fauna, fungos e microrganismos). Sendo assim, o valor final deveria aumentar. Mas já estamos a imaginar alguns dos nossos leitores a pensar que o valor de 13 é a média de todas as quadrículas do ponto quente. Bom, é aqui que temos que nos perguntar como vai o trabalho de catalogação nas quadrículas marinhas. Será que a extensíssima equipa científica destinada a elaborar esta tarefa encontrou a Atlântida no fundo do Mediterrâneo e, maravilhados pela vida que lá viram, já nunca mais quiseram voltar para a superfície? Não esqueçamos que um dos maiores mistérios da ciência está ainda nas massas de água marinha, onde uma parte do conhecimento da sua diversidade ainda está por ser descoberta. Por favor, no caso de suspeitar que as nossas apetências inventivas estão alegremente plasmadas neste texto aconselhamos a ver as referências bibliográficas anexas. Será que a comunidade científica é tão facilmente manipulável e maleável?

Bellard, C., Leclerc, C., Leroy, B., Bakkenes, M., Veloz, S., Thuiller, W., & Courchamp, F. (2014). Vulnerability of biodiversity hotspots to global change. Global Ecology and Biogeography 23: 1376–1386.

Brooks, T. M., Mittermeier, R. A., Mittermeier, C. G., Da Fonseca, G. A., Rylands, A. B., Konstant, W. R., Flick, P., Pilgrim, J., Oldfield, S., Magin, G. & Hilton‐Taylor, C. (2002). Habitat loss and extinction in the hotspots of biodiversity. Conservation biology 16: 909–923.

Cañadas, E. M., Fenu, G., Peñas, J., Lorite, J., Mattana, E., & Bacchetta, G. (2014). Hotspots within hotspots: Endemic plant richness, environmental drivers, and implications for conservation. Biological Conservation 170: 282–291.

Fisher, B., & Christopher, T. (2007). Poverty and biodiversity: measuring the overlap of human poverty and the biodiversity hotspots. Ecological Economics 62: 93–101.

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Marchese, C. (2015). Biodiversity hotspots: A shortcut for a more complicated concept. Global Ecology and Conservation 3: 297–309.

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Orme, C. D. L., Davies, R. G., Burgess, M., Eigenbrod, F., Pickup, N., Olson, V. A., Webster, A. J., Ding, T.-S., Rasmussen, P. C., Ridgely, R. S., Stattersfield, A. J., Bennett, P. M., Blackburn, T.-M., Kevin J. Gaston3, K. J., & Owens, I. P. F. (2005). Global hotspots of species richness are not congruent with endemism or threat. Nature 436: 1016–1019.

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Desde o naturalismo, que tanto impregnou o espírito revolucionário do século XVIII, a evolução tem sido entendida como resultante de uma adaptação às condições ambientais, selecionando e favorecendo os comportamentos mais eficientes. Sendo assim, os ecossistemas são constantes desafios para os seres vivos, na procura incessante e contínua por respostas que garantam a persistência de cada espécie. Só com pensar nisto alguns começamos a ficar assustados, pois realmente tanta procura por respostas eficientes pode chegar a esgotar a vontade de viver, não acham? Imaginam uma vida em que diariamente tivéssemos que acordar com a nítida sensação de não sermos capazes de viver? Por favor, se alguém tem esse pressentimento rondando a sua cabeça todos os dias e de forma constante dirija-se imediatamente a um médico ou psicólogo, pois provavelmente esteja a atravessar uma depressão profunda ou tenha uma psicose que nunca suspeitou. Isso não é viver, antes do que isso é angustiar e asfixiar as nossas vidas!

No jardim botânico duvidamos muito que uma formiga acorde todos os dias com essa sensação, ou que um malmequer esteja convencido que não é capaz de viver. Mas então, será que a evolução passa por nós sem nós sabermos? Acaso todos os seres vivos somos tão rematadamente autómatas, ou estamos tão aterrorizados que nem temos consciência do que somos e fazermos sem, por isso, termos que olhar continuamente a nossa volta? Caramba, a vida é cruel mas não sádica!

Curiosamente, e voltando à filosofia que desde sempre acompanhou a corrente naturalista, houve sempre uma constância que prevaleceu entre todos os cientistas que tentaram explicar o processo evolutivo: a transmissibilidade. Por meio deste processo verifica-se que um indivíduo consegue passar informação aos outros: o que deves comer, onde podes dormir, com quem podes estar, aquilo que é para dizer, … Essa transmissão de informação passa não só aos que vivem com ele ou perto, também aos seus descendentes. Mas a partir daqui, da explicação dessa transmissibilidade de informação, é que entramos numa maranha complexa de hipóteses e explicações mais ou menos compreensíveis. Em qualquer caso, todas estas teorias sustentam-se indiscutivelmente na transmissão de informação. Essa informação reúne as capacidades que o indivíduo possui para ser mais eficiente do que os outros e, deste modo, garantir a persistência da sua espécie. Independentemente de sermos seres criados pela mão divina, ou o resultado de um longo processo de luta pela sobrevivência desde a mais simples das células. A transmissibilidade é o que dá, sem dúvida.

Um dos esforços mais pavorosos e sofridos dos pais é tentar que os seus filhos compreendam o que lhes querem dizer. Tanta vez que já ouvimos mães e pães lamentarem-se porque a sua prole parece uma verdadeira parede de chumbo, intransponível e indiferente ao que se lhe disse. Falha a transmissibilidade? Realmente não, embora possa parecer todo o contrário os filhos conseguem captar sempre esse esforço paterno ou, pelo menos, o amor que sempre transmitem em tudo aquilo que dizem e fazem. Ficará sempre o temor paternal pela influência que esse esforço terá no futuro dos seus filhos. Eles conseguiram ter uma vida feliz ou, pelo menos, conseguiram o que pretendam? Isso geralmente acaba por ficar fora do alcance dos pais, mas sabemos que neles estará sempre latente aquele amor e dedicação que lhes foi transmitido, e que eles transmitirão aos que os rodeiam. Isso é evolução! Não nos preocupemos para já no superficial, isto é na modificação morfológica e comportamental associada a essa transmissibilidade de informação. Essas alterações são indicadores biológicos do processo evolutivo a longo prazo, sustentadas na comunicabilidade entre os seres vivos.

Com o exemplo dos pais podíamos pensar que para que ocorra essa transmissibilidade seria imprescindível a racionalidade própria dos seres humanos. Nada mais longe da realidade. Este fenómeno é comum entre qualquer ser vivo, por muito simples que seja ou muito bruto que pareça. Querem um exemplo de indivíduos que teimamos em classificar de “descerebrados”, isto é, de plantas? Pois aqui vai um que magoa: as invasoras!!

No jardim botânico continuamos a pensar que isso de “invasoras” é mais próprio da Guerra dos Mundos, mas pronto… vamos utilizar aqui esse termo que a nossa hipocrisia humana tanto gosta de aplicar, sempre para deitar as culpas da nossa brutalidade a outros, animais ou plantas. Para compreender o nosso ponto de vista acompanhemos a vida daquele agricultor, que na sua guerra incessante por acabar com as ervas daninhas que com tanta crueldade maltratam e sufocam a vida das suas culturas. Depois de gerações de um esforço constante e desumano por controlar essas que tanto mal fazem as suas colheitas, finalmente às mãos do nosso atarefado personagem chega aquilo que tanto desejaram os seus antepassados, um herbicida que eliminará aquelas miseráveis e despóticas criaturas vegetais. Nos primeiros anos de aplicação o sucesso é notório, no entanto essa flora tão indesejável começa a mudar. Uma espécie que o agricultor não conhecia está agora a tomar conta das suas culturas já tão limpinhas de ervas: uma invasora vinda de Deus sabe onde está a tomar conta do que o herbicida limpou tão meticulosamente. Ao longo de todo este processo houve um complexíssimo e formidável processo de transmissão de informação. Após a aplicação do herbicida e a morte do tapete que naturalmente ocupava os terrenos agricultados, a mensagem era clara, aqui já não estamos a fazer nada. Nunca esqueçamos que a função dos seres vivos é viver, e se tal não é possível deixam de ter utilidade para o sistema. O sistema deve então procurar alguém que tome conta daquilo, isto é que consiga funcionar sob alterações ambientais tão drásticas como a aplicação de fitocidas. De ano para ano, enquanto decorre esse controlo químico, os indivíduos vão passando a informação: abandonem esta cultura porque estamos a ser eliminados, procuremos alguém que possa aqui viver, adaptem os vossos ciclos de vida à aplicação dos herbicidas, retomem a funcionalidade precisa neste habitat. Essa comunicação é um fenómeno necessariamente contínuo, de geração em geração, provocando a mobilidade dos indivíduos e as obrigatórias variações no número de exemplares para cada uma das gerações. Em definitiva, é uma perfeita sincronização entre as capacidades de cada indivíduo e como consegue passar a informação que lhe permite funcionar e prevalecer no sistema. Eis evolução, uma combinação de capacidades e persistência através de algo tão interessante como a transmissão de informação. Funcionar para persistir, transmitir para ser funcional, uma mistura explosiva que envolve imaginação, habilidades e resistência.

Que apaixonante mistura é esta que garante a transmissibilidade entre os seres vivos? Bom, isso é uma outra história que de seguida podemos… transmitir!?

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Projeto de I&D BIOBASE – Plataforma informativa sobre o recurso biológico. Recurso florístico aplicado ao ocidente da bacia hidrográfica duriense – PA 52986, financiado pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e pelo Estado Português através da Medida 4.2.2 Redes Temáticas de Informação e Divulgação do programa PRODER – Programa de Desenvolvimento Rural.

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